En el blog en la pantalla, de profundizar en el tema sobre la persona y obra de Cristo. Jesús es presentado aquí como Dios, como parte de Triunidad divina, y como el hombre perfecto. Jesús probado desde todos los ángulos. (Por el escriba Valdemir Mota de Menezes)
segunda-feira, 9 de maio de 2016
O MISTICISMO DA CRISTOLOGIA DÊUTERO-PAULINAS
O MISTICISMO DA CRISTOLOGIA CÓSMICA DAS DÊUTERO-PAULINAS
Rogério Lima Moura *
Francisco Benedito Leite **
Resumo
Com esse texto pretendemos, em primeiro lugar, apresentar o misticismo da
cristologia cósmica das cartas dêutero-paulinas como uma espécie de experiência
mística autêntica - não apenas uma característica literária sem relação com a vida e
as sensações religiosas fruídas pelos cristãos do fim do século I. Em segundo lugar,
pretendemos apresentar as características angelomórficas de Cristo expostas
nessas cartas, e por último, apresentaremos o dualismo gnóstico-judaico na
cristologia das dêutero-paulinas.
Palavras-chave: Misticismo; Cristologia cósmica; Dêutero-paulinas; Apocalíptica;
Mercabá.
Abstract
With this text we seek, in the first place, introduce the mysticism of cosmic
Christology of the Deutero-Pauline letters as a kind of authentic mystical
experience – not just a literary character with no relation to religious life and the
feelings experienced by Christians in the late first century. Secondly, we intend to
present the angelomorphic characteristics of Christ exposed in these letters, and
finally present the Jewish-Gnostic dualism of the Deutero-Pauline Christology.
Keywords: Mysticism; Cosmic Christology; Deutero-Pauline; Apocalyptic; Mercaba.
ORACULA 8.13 (2012)
ISSN: 1807-8222
Oracula 8.13 (2012)
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Introdução
Por dêutero-paulinas, intitulamos duas cartas tradicionalmente
atribuídas ao apóstolo Paulo, mas, que desde o desenvolvimento do método
histórico-crítico, no século XIX, vêm tendo sua autenticidade questionada, tanto
devido a discrepâncias teológicas, quanto devido a diferenças em linguagem e
estilo.
Aqui serão apresentadas apenas as discrepâncias teológicas no que diz
respeito à cristologia, em relação às outras cartas paulinas tidas como autênticas1.
Embora o intuito não seja apontar, nessas cartas, os pontos contraditórios à
teologia paulina, como fizeram os adeptos do método histórico-crítico de outrora,
pois utilizamos o termo “dêutero-paulinas” provisoriamente, ainda que com ele se
pretenda uma definição de outro estágio da teologia paulina. Contudo o texto que
segue não pretende uma discussão quanto à autoria, mas sim, quanto à cristologia
exposta nas duas cartas, definidas como tais, a saber: Colossenses e Efésios.
No que diz respeito à “cristologia cósmica”, esse termo não está
exclusivamente preso aos limites do que estamos chamando provisoriamente de
dêutero-paulinismo, pois, suas raízes estão presas na própria teologia paulina, ou
talvez, sejam ainda mais profundas. Além disso, essa teologia chega a ir além da
literatura neotestamentária, pois de uma forma ou de outra, a teologia patrística e
medieval incorporaram essa ideia à Igreja oficial, porém foge ao nosso propósito
apontar esses desenvolvimentos.
Outrossim, a cristologia cósmica é a ideia de que Jesus, após a
ressurreição, foi declarado Cristo, soberano sobre tudo e sobre todos, e seus
favores ultrapassaram a salvação dos homens e chegaram a ter uma relação com o
kosmos. Esse é um esclarecimento bastante breve e estereotipado, uma vez que é
apenas uma preliminar do que será descrito de maneira mais detalhada abaixo.
* Bacharel em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrando em Ciências da
Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, membro do Grupo Oracula de Pesquisa em
apocalíptica, misticismo e fenômenos visionários. E-mail: rogerlima1@yahoo.com.br.
**Bacharel em Teologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, mestrando em Ciências da
Religião pela Universidade Metodista de São Paulo, membro do Grupo Oracula de Pesquisa em
apocalíptica, misticismo e fenômenos visionários. E-mail: ethnosfran@hotmail.com.
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Misticismo e cristologia cósmica, em Paulo e nas dêutero-paulinas
Continuando com uma breve definição de termos, agora esclareçamos
mais detidamente os termos “misticismo” e “cristologia cósmica”, um de cada vez.
Para definir misticismo utilizemo-nos de um clássico no que diz respeito ao
misticismo judaico, a obra: As grandes correntes da mística judaica, de Gershom
Scholem. Esse estudioso do judaísmo fala o seguinte a respeito da “religião
mística”:
Vou usar a palavra para designar o tipo de religião que coloca ênfase na
percepção imediata da relação com Deus, na consciência íntima e direta
da Presença Divina. É a religião em seu estágio mais vivo, agudo e
intenso. Tomás de Aquino define o misticismo como cognitio dei
experimentalis, o conhecimento de Deus pela experiência. Ao usar esse
termo, ele se apóia fortemente, como muitos místicos antes e depois
dele, nas palavras do salmista (Salmo 34.8): “Provai e vede que o Senhor
é bom”. É este provar e ver, não importa o quão espiritualizado ele
venha a tornar-se, que o místico genuíno deseja. Sua atitude é
determinada pela experiência fundamental do eu íntimo que entra em
contato imediato com Deus ou com a realidade metafísica. O que forma
a essência dessa experiência, e como ela pode ser adequadamente
descrita – é este o grande enigma que os próprios místicos, não menos
que os historiadores, têm tentado resolver.
2
Com essas palavras, Scholem apenas delineia o misticismo, e
propositalmente prefere uma definição não restritiva. Ao longo de suas palestras
que se tornaram o livro: Grandes correntes da mística judaica, por várias vezes ele
responderá novamente, e com novas proposições, à pergunta “o que é mística?”
Por enquanto as linhas citadas acima parecem suficientes. Contudo,
parece-nos igualmente importante também responder: “o que não é misticismo”,
na perspectiva de Scholem. E nesse caso ele é enfático ao afirmar a diferença entre
a unio mystica e a mística do judaísmo3. Pois a unio mystica não deve ser
considerada o misticismo autêntico em detrimento de outras espécies de
misticismos como o da Mercabá4, no qual não há nenhum vestígio da união da alma
1A saber: Romanos, I e II Corintios, Gálatas, Filipenses, I Tessalonicenses e Filemon. Contudo, muitas
discussões acadêmicas tiram ou colocam uma ou outra carta dentre as autênticas.
2 SCHOLEM, Gershom. As grandes correntes místicas da judaica. 3 ed. São Paulo: Perspectiva, 2008,
p. 6, onde o autor utiliza a definição de Rufus Jones em Studies in Mystical Religion. London, 1909, p.
XV.
3 SCHOLEM, As grandes correntes místicas da judaica, p. 7.
4 Trataremos mais detidamente da Merkabá a baixo, por enquanto diremos apenas que este foi o
nome que recebeu a ramificação mística do judaísmo caracterizada por ascensões visionarias ao
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com Deus5, pois, definitivamente, no misticismo do qual ele tratará, não existe a
união entre criatura e criador.
Resumindo, a mística que falamos é a fase, ou área mais viva da
religiosidade, é a experimentação prática e imediata com Deus, mas não é
determinantemente – para o judaísmo e cristianismo primitivo – “o diluir-se na
divindade”. Visto que para Scholem não existe mística autônoma, toda espécie de
mística está relacionada a um sistema religioso, portanto, relaciona-se com suas
premissas primarias, e, outrossim, os místicos não devem ser vistos,
necessariamente, como heréticos ou rebeldes, pois a grande maioria dos místicos
esteve entre os ortodoxos6.
Para definir cristologia cósmica contamos com algumas palavras do
célebre estudioso das religiões, Mircea Eliade, em seu livro Mito e realidade. Ao
descrever o desenvolvimento do cristianismo cósmico, o historiador assim
apresenta esse processo:
As igrejas Ortodoxa e Católica Romana foram criticadas por aceitarem
tão grande número de elementos pagãos. Seriam essas críticas sempre
justificadas? Por um lado, o ‘paganismo’, só pôde sobreviver
cristianizado, embora essa cristianização fosse apenas superficial. Essa
política de assimilar um ‘paganismo’ ao qual era impossível destruir,
não construiu inovação; a Igreja Primitiva já aceitara e assimilara
grande parte do calendário sagrado pré-cristão. Por outro lado, os
camponeses, devido ao seu próprio modo de existir no Cosmo, não se
sentiam atraídos por um cristianismo ‘histórico’ e moral. A experiência
religiosa especifica das populações rurais era nutrida pelo que se
poderia chamar de um ‘cristianismo cósmico’. Os camponeses da
Europa compreendiam o cristianismo como uma liturgia cósmica. O
mistério cristológico envolvia igualmente o destino do Cosmo. ‘Toda
natureza suspira, aguardando a ressurreição’, é o motivo central não só
da liturgia pascal, mas também do folclore religioso da cristandade
oriental. A solidariedade mística com os ritmos cósmicos, violentamente
atacada pelos profetas do Antigo Testamento e apenas tolerada pela
Igreja, constitui o centro da vida religiosa das populações rurais,
sobretudo no sudeste da Europa. Para toda essa parte da cristandade, a
‘Natureza’ não é o mundo do pecado, mas a obra de Deus. Após a
Encarnação, o mundo foi restabelecido em sua glória original; essa
maneira pela qual Cristo e a Igreja foram carregados de tantos símbolos
cósmicos. No folclore religioso do Sudeste europeu, santificam
igualmente a Natureza.
7
céu, que tem com seu primeiro representante conhecido o profeta Ezequiel, que viu Deus sentado
em um trono carruagem, daí o nome Merkabá.
5 SCHOLEM, As grandes correntes místicas da judaica, p. 61
6 SCHOLEM, As grandes correntes místicas da judaica, p. 8.
7 ELIADE, Mircea. Mito e realidade. 6 ed. São Paulo: Perspectiva, 2006 (Coleção Debates), p. 150.
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Concordando com essas duas citações, afirmamos que tanto a definição
de mística apresentada por Scholem quanto à descrição do desenvolvimento do
cristianismo cósmico de Eliade, estão presentes na teologia paulina das cartas tidas
como autênticas, pois, Jonas Machado8 – na esteira de outros estudiosos, como
John Ashton, Christopher Rowland e John Collins - apresenta os seguintes
elementos como paradigmas da religião paulina: “ascensão visionária celestial em
êxtase, possessão espiritual e revelação de mistérios da divindade numa relação
criativa”, o que leva à conclusão de sua clara relação com a apocalíptica e o
misticismo judaico. Essa perspectiva, de relacionar Paulo e a apocalíptica judaica,
tem tido uma repercussão positiva no meio acadêmico e tem ganhado adeptos
dentre os bíblistas e estudiosos do misticismo, visto que o próprio Scholem
inserira o apóstolo na tradição da Mercabá.
Contudo, para Paulo – ou para o dêutero-Paulo – o último mistério
divino não é a ascensão celestial, mesmo ela sendo um importante componente no
plano da salvação divina, isso é o que afirma Christopher Morray-Jones e
Christopher Rowland em The mystery of God9.
Os versículos que seguem são demonstrativos de que Paulo afirmava
que a obra de Cristo envolvia, não somente a vida individual dos seres humanos,
mas todo o kosmos, os seres humanos em sua conjuntura e também a natureza. Em
Romanos 8.22 está escrito: “Porque sabemos que toda a criação geme e está
juntamente com dores de parto até agora”; e em: I Coríntios 15.27: “Porque todas
as coisas sujeitou debaixo de seus pés. Mas, quando diz que todas as coisas lhe
estão sujeitas, claro está que se excetua aquele que lhe sujeitou todas as coisas”;
Filipenses 2.9,10: “Por isso, também Deus o exaltou soberanamente, e lhe deu um
nome que é sobre todo o nome. Para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho
dos que estão nos céus, e na terra, e debaixo da terra”. Assim, Jesus é apresentado
em uma posição superior a tudo e a todos, uma posição de tensão que envolve
expectativas escatológicas prementes.
8 MACHADO, Jonas. Paulo, o visionário: visões e revelações extáticas como paradigma da religião
paulina. In: NOGUEIRA Paulo A. S. (Org.). Religião de visionários: apocalíptica e misticismo no
cristianismo primitivo. São Paulo: Loyola, 2005 (Coleção Bíblica Loyola, 48), p. 167-204.
9 ROWLAND, Christopher; MORRAY-JONES, Christopher R. A. The Mystery of God. Early Jewish
Mysticism and the New Testament. Leiden: Brill, 2009, p. 156-166.
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Dos parágrafos precedentes surge o questionamento óbvio: já que se
acredita que Paulo é tanto místico quanto proponente da cristologia cósmica,
mesmo tendo com base apenas as cartas autênticas, o que há de especial ou
diferente no misticismo da cristologia cósmica das dêutero-paulinas?
A diferença é que as dêutero-paulinas levam as afirmativas cósmicocristológicas
a um grau mais elevado e enfático. E o misticismo das dêuteropaulinas
já não é mais o mesmo misticismo apocalíptico e escatológico que o
apóstolo Paulo professara nas cartas tidas como autênticas. Essa diferença de
ênfase foi significativa, devido a sua importância em vista das questões
institucionais, pois, o misticismo apocalíptico de outrora foi canalizado pela
instituição em desenvolvimento e assim pode ser - em grau mais ou menos elevado
– racionalizado, para ser compreendido e acessível ao grande público e ao mesmo
tempo, não ser contraditório a uma instituição que se pretendia universal.
Temos a possibilidade de afirmar a institucionalização dessa
comunidade cristã e a canalização do misticismo na carta aos Efésios, devido a uma
de suas “características definitivas” - conforme Christopher Rowland e Christopher
R. A. Morray-Jones - ser “o seu sabor fortemente litúrgico”10. Já foi afirmada a
possibilidade de que essa carta fosse um tratado batismal. E sua estreita relação
com a carta aos Colossenses abre a possibilidade de que as duas cartas estejam
relacionadas com comunidades que estejam em um estágio de institucionalização
semelhante. Nos parágrafos que seguem, tentaremos demonstrar esse processo
através de termos dos textos de Efésios e Colossenses em relação às sete cartas tidas
como autênticas. Primeiramente, tomaremos a teologia expressa na metáfora do
corpo de Cristo.
Cristo e o kosmos - “Cristo é a cabeça do corpo que é a Igreja”
Em I Co 12 o apóstolo Paulo ensina a respeito “dos espirituais”, pois em
12.1 não está escrita a palavra charisma, embora praticamente todas as traduções
10 ROWLAND, Christopher; MORRAY-JONES, Christopher R. A. The Mystery of God. Early Jewish
Mysticism and the New Testament. Leiden: Brill, 2009, p. 585.
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da Bíblia para o português tenham preferido inseri-la, com a concepção de que ela
deveria ser subentendida, visto que o texto a partir do versículo 4 repetirá várias
vezes a palavra charisma. Conforme Jonas Machado, nesse trecho, Paulo fala a
respeito das coisas, manifestações ou pessoas espirituais no âmbito do culto11.
Assim, o trecho 12.13-27, Paulo utiliza-se da metáfora do corpo, aplicando-a
exclusivamente para a comunidade local, fazendo com que seja incoerente a
tentativa de extrair alguma pretensão universalizante do texto, pois todos os
charismas são úteis para a comunidade local.
Outra coisa a ser destacada nesse trecho é que, em 12.27, Paulo afirma
“vós sois o corpo de Cristo e seus membros em particular”, mas, Paulo não está
dizendo que vós sois o corpo de Cristo, que é a cabeça. Pois, nessa metáfora não há
hierarquia entre cabeça e corpo, conforme fica claro no versículo 21, a própria
cabeça está envolvida na discussão que afirma a igualdade de todos os membros.
Portanto, “vós sois o corpo de Cristo” significa que a comunidade (local) e Cristo
são o mesmo, pois os crentes foram inseridos em Cristo através do “batismo no
espírito” (12.13).
Em Rm 12.4-5 aparece um resumo do que está escrito em I Co 12:
Porque assim como em um corpo temos muitos membros, e nem todos
os membros têm a mesma operação. Assim nós, que somos muitos,
somos um só corpo em Cristo, mas individualmente somos membros
uns dos outros.
O fato de os crentes gozarem de uma mesma corporeidade uns com os
outros e também com Cristo é simbolizado pela divisão do pão, durante a ceia do
Senhor, mas essa mística da corporeidade parece não ir além da comunidade local,
e ainda parece ser pouco definido e delimitado, o que permitiria uma ampla gama
de interpretações, longe de qualquer espécie de sistematização, devido a seu
caráter eventual.
Essa relação, entre os crentes que estão inseridos em Cristo e são o
corpo de Cristo, foi explorada por Albert Schweitzer em O misticismo de Paulo, o
11 MACHADO, Jonas. O misticismo apocalíptico do apóstolo Paulo: Um novo olhar nas Cartas aos
Coríntios na perspectiva da experiência religiosa. São Paulo: Paulus, 2009, p. 187s.
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apóstolo, e assim, o teólogo alemão afirmou que a teologia do corpo de Cristo em
Efésios é uma evidência contra a autoria paulina, pois sempre que Paulo fala do
corpo de Cristo, ele se refere à Igreja como uma totalidade12, uma instituição
universal. É certo que Schweitzer tem pouco crédito para a pesquisa
contemporânea sobre o apóstolo Paulo, visto que ele compreendia o apóstolo
Paulo como um pensador lógico13 e o misticismo do qual fala, não passa de um
elemento teológico que não tem base na experiência, como fica claro ao longo de
sua obra. Entretanto, no que diz respeito à evolução da teologia paulina do corpo
de Cristo, parece estar correto acerca das enormes diferenças entre a teologia de
Efésios (e queremos acrescentar paralelamente Colossenses) e as demais cartas
tidas como autênticas.
Conforme Morray-Jones e Rowland, a metáfora do corpo, nas cartas que
circulavam na Ásia Menor, deve estar relacionada com um texto midráxico que faz
parte da literatura de hehalot, chamado Schiur Komá [A medida do Corpo – corpo
de Deus]. Conforme esse escrito, o corpo de Deus possui medidas descomunais
semelhantemente à “medida do amor de Deus” em Efésios 3.18. Essas comunidades
cristãs parecem ter reinterpretado esse escrito para fazer uso dele a sua própria
maneira.
O corpo de Cristo em Efésios aparece pelo menos sete vezes (1.23, 2.16,
3.6, 4.4, 4.16, 5.23, 5.30), das quais, três vezes está relacionado com a cabeça, que é
Cristo, que aparece separadamente (1.22, 4.15, 5.23). Em Colossenses aparece pelo
menos quatro vezes (1.18, 1.24, 2.19, 3.15) e em duas vezes está relacionado com a
cabeça (1.18 e 2.19), que aparece também em 2.10.
Cristo, parece ter sido elevado a uma posição superior à que ele possuía
em outros escritos neotestamentários, de maneira que ele já efetuou toda a
expectativa dos cristãos primitivos, então ele deixa de dividir a mesma
corporeidade que os crentes e passa a ser a cabeça do corpo que eles
compartilham como Igreja, se sobrepondo aos fiéis, num estado superior a tudo e a
todos.
12 SCHWEITZER, Albert. Misticismo de Paulo: o apóstolo. São Paulo: Fonte Editorial, 2006, p. 166.
13 SCHWEITZER, Misticismo de Paulo: o apóstolo, p. 188.
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I Co 15.24-28 e Fp 2.10 apresentam expectativas escatológicas do
momento em que tudo será sujeito a Cristo e a vitória sobre os poderes será
efetuada por completo. Mas, em Efésios tudo isso parece já ter se cumprido, pois
“nele congregam todas as coisas” (1.10), “ele está acima de todo principado e
poder” (1.21) “à direita de Deus” (1.20) e de maneira particularmente interessante,
“ele levou cativo o cativeiro” (4.8-10).
De maneira semelhante, em Colossenses “tudo converge em Cristo”; “ele
é a imagem do Deus invisível, primogênito de toda criação” (1.15); “nele habita
toda plenitude” (2.19); “ele triunfou sobre as potestades” (2.15); e “está à destra de
Deus” (3.1).
Nessas duas cartas, também, há uma forte ênfase na apolytrôsis através
do sangue de Cristo (Cl 1.14; Ef 1.7, passim). “Pois Cristo cravou a cédula de nossa
dívida na cruz” (Cl 2.14).
Somando essas citações com o trecho extraído do texto de Eliade14,
podemos compreender que para determinados grupos de cristãos, a apresentação
de um Jesus histórico, inserido em narrativas de sua vida na Palestina – como os
evangelhos – e a expectativa de sua vinda como Filho do Homem, manifestando sua
glória e poder, não era mais suficiente, pois este passado estava ficando
historicamente distante e sua vinda estava tardando. Então seria necessário que
Cristo passasse a fazer parte do cotidiano de suas vidas, contudo, para isso
algumas mudanças seriam inevitáveis, tanto na teoria, quanto na prática. Assim,
uma das consequências práticas foi que a comunidade local deixou de ser o corpo
de Cristo, como o era em I Co 12.27, e Cristo passou a estar superior a tudo e todos,
em uma posição elevadíssima, que embora envolvesse todo o cosmo, parecia cada
vez mais se distanciar das comunidades locais, pois os elementos repetidos várias
vezes eram os “poderes e principados”. E os charismas não eram mais
manifestações espirituais da comunidade local, eles passaram a ser ofícios
padronizados para todas as comunidades (Ef 4.11-12). De maneira que Cristo
estava envolvido na manutenção do kosmos, mas não nos seus pormenores.
Todavia, esse distanciamento entre Cristo e comunidade não parece ter sido um
14 ELIADE, Mito e realidade, p. 150.
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problema insolúvel, e o dualismo, foi pacificamente aceito e reinterpretado, pois, a
partir de então, os crentes sentiam que compartilhavam desde já, parte dos
favores, que no paulinismo tido como autêntico, era uma obra escatológica. Pois ele
“vos arrancou das trevas e transportou ao reino do seu filho amado”. Então os
favores oferecidos pelo Cristo: “benção da parte de Deus, eleição, predestinação,
herança” (Ef 1.3-5) foram imputados no crente através de um processo de morte e
ressurreição, que em sua vida revive os eventos da vida de Cristo, mas que na
verdade eram realizações litúrgicas. “Ascensão visionária celestial em êxtase,
possessão espiritual e revelação de mistérios da divindade numa relação criativa”
não são características nesses escritos, pois a mística é institucional, não há
indícios de uma fruição individual de manifestações espirituais, tudo é
intermediado pela igreja, os dons/ofícios, o estar em Cristo e as bênçãos futuras.
Scholem afirma que o misticismo da Mercabá, em alguns casos, degenera
em interpretação moral15, por isso as afirmativas cristológicas embasam o
moralismo pregado nessas cartas (Ef 4.17-5.21; Cl 3; passim).
“O cristianismo primitivo foi um fenômeno apocalíptico-escatológico. E
o cristianismo nunca teria sido uma religião mundial se não tivesse nascido junto
com a apocalíptica judaica”16 “... todas as energias produtivas do primitivo
movimento apocalíptico foram absorvidas pelo cristianismo após o surgimento
deste”17. Apesar da veracidade dessas afirmativas, as cartas dêutero-paulinas são
estigmas do processo que o cristianismo primitivo passaria, onde todas as energias
místicas da antiga apocalíptica seriam canalizados pela recente instituição cristã,
que agora descrevia o Cristo em seus próprios moldes, pois segundo essas cartas, o
mistério já foi abertamente revelado aos cristãos
Como me foi este mistério manifestado pela revelação, como antes um
pouco vos escrevi. Por isso, quando ledes, podeis perceber a minha
compreensão do mistério de Cristo. O qual noutros séculos não foi
manifestado aos filhos dos homens, como agora tem sido revelado pelo
Espírito aos seus santos apóstolos e profetas. A saber, que os gentios são
15 SCHOLEM, As grandes correntes místicas da judaica, p. 86.
16 OTZEN, Benedikt. O judaísmo na antiguidade: a história política e as correntes religiosas de
Alexandre Magno até o imperador Adriano. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 288.
17 SCHOLEM, As grandes correntes místicas da judaica, p. 45.
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co-herdeiros, e de um mesmo corpo, e participantes da promessa em
Cristo pelo evangelho (Ef 3.3-6).
18
Porém, não se deve ter uma postura tão crítica diante desse fenômeno
religioso tradicional, como fizeram teólogos do passado que cultivaram certa
decepção com o cristianismo da terceira geração, em vista de seu esfriamento19.
Paul Tillich afirma que esse período de esfriamento faz parte de um processo
pedagógico, “são necessidades educacionais que entram em cena para preservar o
que foi dado antes”20.
Bem que podemos apresentar essa amenização de ânimos da terceira
geração de cristãos em outros termos. O pensador russo Mikhail Bakhtin afirma o
seguinte:
É preciso não perder de vista o papel enorme que desempenha o medo
cósmico – medo de tudo que é imensuravelmente grande e forte;
firmamento, massas montanhosas, mar – medo das perturbações
cósmicas e das calamidades naturais, nas mais antigas mitologias,
concepções e sistemas de imagens, e até nas próprias línguas e formas
de pensamento que elas determinam. Uma certa lembrança das
perturbações cósmicas passadas, um certo temor indefinível dos abalos
cósmicos futuros dissimulam-se no próprio fundamento do pensamento
e da imagem humanos. Na base esse temor, que não é absolutamente
místico, no sentido próprio do termo (é o temor inspirado pelas coisas
materiais de grande porte e pela força material invencível) é utilizado
por todos sistemas religiosos com o fim de oprimir o homem de
dominar sua consciência.
21
Nessa citação, Bakhtin descreve uma espécie de medo cósmico inerente
ao ser humano que é apropriado pelos sistemas religiosos, assim, afirma que essa
não é uma espécie de medo estritamente místico, pois se relaciona com elementos
materiais, contudo, segundo Bakhtin uma das soluções encontradas para
superação desse medo é a associação do si mesmo com o grupo religioso no qual
está inserido, e, por sua vez do grupo no kosmos, pois as afirmações que remetem a
18 Cf. Cl 1.26-27; Ef 1.9. Reinterpretando as experiências apocalípticas, através de seu misticismo
altamente litúrgico.
19 Característica sintomática da teologia alemã do século XX, manifesta claramente na Teologia do
Novo Testamento de Rudolf Bultmann que apresenta, no terceiro capítulo, a decadência do
cristianismo instituído em vista do auge alcançado por Paulo e João. A Teologia da Libertação
também compartilhou essa idéia, nas palavras do teólogo Eduardo Hoornaert: “o vulcão evangélico
nela [na literatura da terceira geração de cristãos] teria apenas deixado algumas faíscas inofensivas,
até apagar-se por inteiro” (Cristãos da terceira geração. Petrópolis/São Paulo: Vozes/Cehila, 1997,
p. 33.)
20 TILLICH, Paul. História do pensamento cristão. 3 ed. São Paulo: ASTE, 2004, p. 38.
21 BAKHTIN, Mikhail. Cultura popular na idade média e no renascimento: o contexto de François
Rabelais. São Paulo: Hucitec, 2010, p. 293.
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esperança futura e às realidades abstratas não são mais suficientes, o ser humano
necessita de princípios concretos para refugiar-se de seu medo. Nas palavras de
Bakhtin, assim se dá esse processo:
Essa luta contra o temor cósmico, em todas suas formas e
manifestações, apoiava-se não sobre esperanças abstratas, sobre a
eternidade do espírito, mas sobre o princípio material, incluído no
próprio homem. De alguma forma, o homem assimilava os elementos
cósmicos (terra, água, ar, fogo), encontrando-os e experimentado-os no
seu próprio interior, no seu próprio corpo; ele sentia o cosmo em si
mesmo.
22
Assim podemos interpretar a experiência religiosa das comunidades
cristãs nessa perspectiva. Pois, enquanto que as primeiras gerações de cristãos
tiveram seus medos e suas perturbações amenizadas pela crença na iminente
vinda de Cristo que se manifestava através dos charismata durante o culto, a
terceira geração, no entanto, não permaneceu com a crença nessa vinda iminente
tão forte, tão pouco os charismata estavam tão efervescentes. Então, uma solução
natural diante desse acalmamento de ânimos foi encontrar um lugar no kosmos
para Cristo, na verdade, associá-lo ao kosmos, pois, ao associá-lo a algo material, se
tornaria possível gozar materialmente de suas bênçãos através das chuvas, da
colheita e assim por diante.
As dêutero-paulinas são o passo determinante desse processo, que não
começou, tampouco acabou nelas, contudo, são o par de escritos onde podemos
notar claramente esse processo em vista de seu precedente e de sua posteridade.
Pois, é ali que o Cristo se sobrepõe enfaticamente aos “principados e potestades”.
Muitas interpretações que não levaram em conta a literatura contemporânea ao
período da carta, afirmou que esses termos se referiam aos seres espirituais
malignos, semelhantes ao príncipe da Pérsia de Daniel 10.13, ou interpretações
sociológicas redutivistas associaram esse par de termos aos poderes políticos,
porém, parece muito mais satisfatório afirmar que esses principados e potestades
eram os seres celestiais que cuidavam do bom andamento do kosmos, tratando
tanto de questões meteorológicas, quanto de questões astronômicas, como sugere I
Enoc 72-82 – O livro dos luminares celestes –, onde Uriel foi posto por Deus sobre
todos luminares celestes; e também II Enoc, onde no sexto céu, o visionário
22 BAKHTIN, Cultura popular na idade média e no renascimento, p. 294.
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conhece os anjos que comandam os astros, após ter conhecido os que comandam o
clima e as estações. Ainda mais, levando em conta que ao longo das cartas paulinas,
os termos que traduzimos por poderes celestes, ou, simplesmente poderes, sejam
claramente hostis na concepção de Paulo (Rm 8.38-39; I Co 15.24).
Essa relação com os livros de Enoc, ganha ênfase devido a possibilidade
de que nas comunidades da Ásia Menor havia culto aos anjos, conforme afirmam
Morray-Jones e Rowland23, que concordam com essa antiga afirmativa. Em Mystery
of God: Early Jewish Mysticism and the New Testament, apresentam um contexto
que contribui para que se chegue às conclusões acima. A seguir apresentaremos
suas argumentações a respeito disso nos parágrafos que seguem abaixo.
Contexto das epístolas de Colossenses e Efésios
A respeito do contexto de Colossenses24, os autores afirmam que a
presença de palavras como “lua nova” e “sábado” em 2.16, “circuncisão” em 2.11 e
crenças em anjos 2.18, dá a entender que ali havia um forte judaísmo místico
apocalíptico. Ainda acrescentam que a Ásia Menor foi um centro de apocalipsismo,
como é atestado em Eusébio e Irineu. Nesses escritos, atesta-se que a heresia de
Cerinto se localizava em Éfeso, onde se praticava revelações mediadas por anjos. A
Frígia foi o lugar de origem do montanismo, que era um movimento que tinha um
rigor ético aguçado e um entusiasmo escatológico ligado com visões e profecias, e
que também há pontos de contatos entre a carta à Laodicéia em Apocalipse 3 e
Colossenses.
De acordo com Apocalipse 3. 21, existe esperança para aqueles que
vencerem, e eles sentarão no trono de Cristo. Em Colossenses 1.16, os tronos
provavelmente refletem de certa maneira uma cosmologia que se encontra no livro
Ascensão de Isaias, em que são descritos cinco dos sete céus com tronos localizados
neles. Também em Colossenses 3.1, o autor dirige o leitor “ao céu” para o acento de
Cristo, da mesma forma que em Apocalipse 3.14, onde Cristo é descrito como “o
23 ROWLAND; MORRAY-JONES, The Mystery of God, p. 585ss.
24 ROWLAND; MORRAY-JONES, The Mystery of God, p. 156-166.
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princípio da criação de Deus”, uma descrição sem paralelo no livro de Apocalipse e
única em que a linguagem da pré-existência aparece. A semelhança com
Colossenses 1.15 é extraordinária, assim como a frase: “primogênito dentre os
mortos” ocorre somente em 1.18 e Apocalipse 1.5. É possível que João, que parece
ter íntimo conhecimento das igrejas, possa ter sido influenciado por ideias
familiares das comunidades dessa área. Se essas ideias refletiram um judaísmo
local, ou se é uma importante forma de judaísmo cristão a questão é incerta. A
ligação de Cerinto com Éfeso e com essa particular forma de judaísmo cristão pode
ser um argumento para supor que temos em Colossos mais uma evidência de uma
forma de judaísmo cristão que teve sua origem na Palestina.
Uma Passagem chave para ligar a epístola a elementos apocalípticos é
Colossenses 2.16 e seguintes, quando entendemos o rigor ético do ensino de que
Paulo combate, a ênfase nas restrições do que comer e beber ou a observância de
certos festivais. A mesma preocupação aparece em 2.21, onde Paulo parece
mencionar as instruções dos oponentes quando ele se refere ao controle de não
tocar, provar ou experimentar. Tais restrições são bem importantes dentro de uma
situação onde experiências visionárias foram também importantes. É-nos
conhecido de apocalipses e de materiais tardios do misticismo judaico que
apresentavam rígidas preparações, necessárias como pré-requisito para a
recepção de visões.
Colossenses 2.18 é crucial nesse aspecto, Paulo previne os colossenses
sobre aqueles que tentam diferenciar entre crentes, aceitando alguns e
desqualificando outros. A base para a desqualificação deles é a reverência,
submissão e a adoração de anjos. Na literatura judaica há interesse em tal
atividade de poderes angélicos. É possível supor que Colossenses 2.18 poderia ser
uma referência para a atividade de anjos no céu, enquanto cinco versículos depois
as mesmas palavras poderiam ser usadas para uma adoração humana? Pode-se
responder que isto foi uma imitação do comportamento dos anjos que eles vêem
em suas visões.
Evidências dos manuscritos do Mar Morto sugerem uma ligação entre
comunidade terrena e o céu. Como os anjos do céu têm seu lugar determinado na
Oracula 8.13 (2012)
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liturgia celestial (4Q 405 23i; cf. En 20.3ss.), é dada a comunidade terrena uma
posição correspondente ao propósito eterno (1QS 2.22s; 5.23s; 6.8ss.). A prática
dos membros da comunidade de Qumran é uma forma deles conquistarem um
íntimo relacionamento com os anjos. Essas informações podem sugerir que os
colossenses imaginaram que a imitação do comportamento angélico de adoração
foi de forma geral apropriado e concedido à comunhão deles com eles em suas
visões. Outra possibilidade é que a adoração de anjos se refere à reverência feita
por anjos na presença do místico privilegiado. Isto é pensado em algumas fontes
tardias do judaísmo, em que o humano que penetra o mais secreto lugar sagrado
no céu é considerado merecedor de honras angélicas. Embora humanos que
ascenderam aos céus são recebidos com hostilidades pelos anjos, ainda sim,
conhece-se que os místicos eram adorados pelos anjos. Não é pra menos, que
então, aqueles que têm tais visões em Colossos poderiam se orgulhar e assim
desqualificar outros que não tiveram tal honra (2.18).
Assim, o “falso ensino” em Colossos pode ter dois componentes: O
instante preparatório, e as visões deles mesmos, que oferece ao crente a
oportunidade de participação de padrões de comportamento que poderia ser
imitado diariamente em suas vidas. Isso porque o adepto pode dizer que suas
visões são focadas nos comportamentos dos anjos. É nesse ponto que o autor da
Carta aos Colossenses vê o problema. Ele não se opõe às visões, ele se opõe às
conseqüências dela. Há um foco maior nos anjos do que em Cristo. Por esta razão o
escritor paulinista confronta a hipótese de que o padrão de comportamento e de
imitação dos anjos é mais importante que se atentar para o exemplo da imagem do
Deus invisível, que é o criador dos anjos, porque ele é o único em que são
encontrados todos os mistérios (2.3) e de que dele vem o verdadeiro entendimento
do que seja humildade (3.12). Ao concentrarem sua atenção na liturgia angélica, os
crentes de Colossos estão perdendo a noção de Cristo como o centro de sua fé.
Dois outros elementos na epístola proporcionam uma mística
interpretação. Além do hino cristológico, a importância de destacar Cristo como o
lugar da revelação divina é enfatizada em 2.9. Aqui o autor paulinista fala que em
Cristo corporalmente habita toda a plenitude da divindade. O escritor fala de que
Cristo apresentou corporalmente a glória divina que habitava nele. Colossenses 2.
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10-15 parece indicar que o despojar do corpo carnal na morte de Jesus marcou o
momento em que Cristo herdou um glorioso corpo celestial. Evento que colocou
Cristo além dos poderes angélicos, um paradigmático evento em que os benefícios
podem ser compartilhados pelos cristãos.
Em 2.11 a iniciação cristã é contrastada com a circuncisão como um rito
que não é feito com as mãos e envolve afastar-se do corpo carnal (note a linguagem
de transformação implicada na metáfora de despir-se). O autor da carta pode usar
essa linguagem para o batismo cristão, porque o crente é identificado como um que
em sua morte colocou de lado o corpo carnal e passou para outro lugar de
existência. Assim como Cristo foi enterrado e ressuscitou para uma nova existência
no céu, também os crentes ressuscitarão com ele para compartilhar aquela glória
no presente (2.12; 3.1). A morte de Jesus marcou o momento em que o tempo do
corpo carnal terminou (1.22). De agora em diante, ele é o único que existe como
lugar da glória divina em forma corpórea no céu: ele é, então, a imagem do Deus
invisível. Ele deixou de lado o corpo carnal e se revestiu de um corpo glorificado
que será o último destino dos crentes (cf. Fp 3.21). Os poderes divinos não são
compartilhados com um número de seres celestiais exaltados, mas encontrados
somente em Cristo, em que estão os segredos de toda a riqueza de sabedoria.
O despojamento do corpo carnal em 2.11 é relacionado ao triunfo de
Cristo sobre os poderes. Existe também uma dimensão moral para o uso da
metáfora que se preocupa em colocar de lado aquela área da vida que não é mais
apropriada para as exigências que a nova vida em Cristo traz: em 2.11, é o corpo
que deve se afastar das coisas carnais; em 2.15, deve-se afastar-se dos poderes dos
principados; e em 3.9, deve-se afastar-se das coisas da velha natureza. Paulo
discute a respeito do ensinamento básico (2.8) e rejeita preocupações com
tradições humanas em vez da completa revelação divina em Cristo (2.8s.). A
correspondência entre circuncisão e carne dá ao escritor um lugar de partida para
a sua rejeição das práticas seculares pelos crentes por oponentes e o interesse
deles em anjos. Em 2.11, a “verdadeira circuncisão” é um sinal do verdadeiro
relacionamento com Deus enraizado na vida ressurreta de Cristo (2.12). Isso
envolve “se despir da carne” no sentido de colocar um fim para a subserviência dos
valores e práticas do velho eon, por identificação com a morte de Cristo. Esse é o
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momento em que ele passou de uma esfera de existência na qual foi submetido a
ritos que poderia ser manipulado pelos poderes. Assim como Cristo deixou a esfera
da carne em sua morte, também os crentes no batismo passaram da influência dos
anjos e é comprometido com um novo padrão de existência (3.1; cf. 3.10). Cristo na
cruz apagou a subscrição para velhas ordenanças. Mas o que é na realidade
pregado na cruz é nada menos do que o corpo de Jesus (cf. Mc 15.24; Jo 20.27; I Pe
2.24). É o corpo carnal no qual é a esfera de influência dos poderes angelicais e o
lugar onde a lei faz a sua exigência. Quando Cristo morreu, ele triunfou sobre os
poderes (2.14s; cf. 1 Pedro 3.22) e tira a ligação na qual os poderes angelicais
exerciam semelhante domínio sobre a humanidade. O ato de morrer de Cristo o
desveste da carne, a ligação de poder segundo quais os poderes angelicais
tiranizavam a humanidade. A conquista dos poderes angelicais ocorre no momento
do desvestir-se da carne, com aqueles crentes identificados no batismo.
Batismo/morte, então, marca um momento de transição do terreno para o
celestial, e é nisso que os “santos no mundo” podem gozar nessa era. Nova vida em
Cristo qualifica o crente a uma parte da nova vida do céu. Em Colossenses 1.12 a
igreja é privilegiada por participar da herança dos crentes na luz. Os santos nesse
contexto não são somente os crentes, mas os anjos que são frequentementes
descritos desse modo (1QS 19.7s.) Como em Efésios, onde o escritor enfatiza a
comunhão da igreja com aqueles do céu em seu serviço evangelical, o crente como
um grupo agora desfrutam da herança dos anjos. De acordo com Colossenses 3.1, o
alvo dos crentes é o lugar onde Cristo está assentado. Isso é consequência direta do
batismo quando a carne é deixada de lado. É a esperança aguardada do crente
(Efésios 1.5) e com isso, não é necessário se utilizar de nenhuma prática do mundo
de baixo. Assim como Col 3.9 mostra, a transformação não é somente uma
transformação mística do adepto, mas uma mudança do ponto de vista moral e
prática na qual são marcas distintivas daquele que procura depois um lugar nos
céus e estar perto do trono da glória. Esses sentimentos são comparados na
evidência de uma orientação ética no apocalipsismo de outro texto de um escrito
cristão do primeiro século, o Apocalipse de João (por exemplo, Ap 3.15-21).
A promessa de uma participação presente na vida ressurreta em Col 3.1
é um avanço em relação a Rm 6.4ss. Para a comunidade é oferecida uma
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oportunidade de ganhar um acesso aos privilégios do mundo acima não através de
práticas ascéticas, mas através do focar-se em Cristo. Portanto, a revelação
apocalíptica não pode ser uma condição necessária de fé. Quando isso acontece,
uma inevitável divisão emerge dentro da comunidade entre aqueles que afirmam
ter elaboradas preparações e que são qualificados para receber os mistérios
divinos, e o resto da comunidade. Na luz disso, nós podemos considerar o cenário
da passagem hínica de Col 1.15. Enquanto elementos de provas têm sido
amplamente explorados, passagens como a de Justino, Diálogos 114, onde Cristo é
identificado como a divina “kabod” no trono da glória, o único que está na forma do
Deus invisível, sugere que Cristo como a imagem do Deus invisível é a expressão
concreta de Deus e (tomando as palavras emprestadas do evangelho de João)
fazendo o Pai invisível conhecido. Cristo é a manifestação concreta da divina
“kabod”, o único “como um homem” que aparece como a imagem do Deus invisível.
Cristo dá forma corpórea e expressa a imagem do Deus invisível. Ele é o corpo
físico da divindade, a divina “kabod” de Deus revelado.
Na carta aos Colossenses, o autor mostra que a plenitude da divindade
está em Cristo, que mostra Deus em sua própria forma corpórea (1.15; 2.9). Ele
escreve ao leitor tentado a se entregar a práticas ascéticas e esotéricas, que pode
ter sido um prelúdio para o pensamento místico dos “tesouros da sabedoria” (2.3).
Paulo busca demonstrar a supremacia de Cristo sobre os poderes
angelicais, e argumenta que é através da identificação do Cristo transformado e
glorificado que há libertação da submissão dos poderes angélicos e do culto que
eles controlam (2.14-15).
Cristo se sobrepôs a todo ser celeste que governava o kosmos e agora o
poder está única e exclusivamente em suas mãos, pois fora constituído viceregente,
segundo uma linguagem angelomórfica, também presente na literatura
contemporânea ao período em que as deutero-paulinas. A apresentação dessa
linguagem angelomórfica, da qual a cristologia bíblica é dependente, é o objetivo
de nossos próximos parágrafos.
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43
Quanto à Carta aos Efésios25 e seu contexto, Rowland e Morray-Jones
afirmam que é freqüente que se trate Efésios como exemplo para se estudar a
segunda geração do cristianismo, quando o fervor escatológico diminuiu e a
preocupação com a função da igreja gradualmente assumiu um estágio central. De
qualquer maneira, o que é evidente em Efésios é o contraste dualista entre duas
eras, em que é substituído por um dualismo cosmológico de “céu e terra, acima e
abaixo”. Uma escatologia futura está presente em Ef 1.14; 2.7; 4.10; 5.5; 5.27; 6.8-
13. A ênfase na presente posse que a igreja desfruta é bastante enfatizada.
Em Efésios, há seis ocorrências do termo chave “mistério”. Em Efésios, o
mistério de Cristo (3.4; cf. Col 4.3) é o desígnio divino (1.10; Cf. Rm 8.29) e a
conclusão de tudo em Cristo. Este mistério ficou oculto para as gerações do
passado (3.5; Cf Rm 16.25), mas agora é revelado aos santos apóstolos e profetas
no Espírito. O conteúdo desse mistério é de que as nações são participantes da
herança das promessas de Cristo. O mistério não é nada menos do que o evangelho
que é agora revelado para a justiça de Deus (Rm 3.21; 16.25-27).
Ao lado dessa ênfase no mistério, em Efésios assim como em Hebreus,
aparece um grande movimento apocalíptico, espacial e dualista. Na abertura do
segundo capítulo de Efésios, o triunfo de Cristo é enfatizado através da exaltação
(Ef 2.21). Na descrição, o escritor usa a frase “nas regiões celestes” que ocorre
várias vezes na epístola para descrever o lugar onde Cristo está assentado em
glória (1.3; 2.6; 3.10; 6.12). A chave para entendimento da frase é 1.20, onde a
dimensão espacial não é duvidada. A atenção do leitor é direcionada para o lugar
onde Cristo está entronizado em majestade divina.
Em 2.6, o escritor fala de crentes tendo sidos ressuscitados com Cristo e
assentado com ele nos lugares celestiais. Isso sugere que na vida da comunidade
cristã o escritor acreditou que os crentes que passaram para a luz estão prontos
para desfrutar a glória que cerca o trono de Deus. Similarmente em 3.1 a benção
que Deus tem concedido aos crentes nos lugares celestiais é em Cristo e os
qualifica a participarem na glória que agora pertence ao Cristo ressurreto no céu.
Eles agora podem desfrutar aquilo que somente foi manifestado na terra na
25 ROWLAND; MORRAY-JONES, The Mystery of God.
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plenitude dos propósitos de Deus (Cl 1.12). As outras duas referências para “nos
lugares celestes” trata com um diferente assunto: o relacionamento da igreja com
os poderes, terrenos e celestiais. Em Efésios 3.10, o autor fala da sabedoria de Deus
feito conhecido pelos poderes por intermédio da igreja. A igreja transforma-se em
agente de Cristo no trabalho de salvação. De acordo com Efésios 3.10, o mistério do
evangelho é proclamado através da ação da igreja. Ela é unida a Cristo que a
qualifica a proclamar os mistérios divinos da salvação.
Em Efésios 6.12, o escritor fala da luta de vida ou morte com as hostes
espirituais da maldade nos lugares celestiais. Proteção divina é necessária para
esse corpo de pessoas.
Em Efésios 4.8ss; o autor interpretando o Salmo 68, com sua linguagem
de ascensão celestial providencia uma estrutura para a significação teológica do
ministério terreno que pode ser afirmado dentro da igreja. Aqui, a especulação da
natureza sobre a ascensão transformou-se em parte a um discurso ético no caráter
apocalíptico e cósmico da vida de Cristo. O normal e o extraordinário são colocados
juntos na vida comum e ações morais, abertas para todos os santos (3.18). Efésios
representa uma mudança nas preocupações escatológicas. Em vez de o
apocalipsismo ser um meio em que o visionário poderia determinar os segredos do
futuro, Efésios representa aqueles escritos no qual a ênfase na presente glória do
céu é aplicada. Ideias apocalípticas deixam de ser sobre um deslumbrar futuro,
aquilo do que está por vir, para se transformar na participação presente da igreja e
para buscar o entendimento dos mistérios que agora são revelados.
Linguagem angelomórfica das deutero-paulinas
Após termos tratado da experiência mística comunitária expressa nas
deutero-paulinas, com base na análise da evolução da metáfora do corpo de Cristo
em relação às cartas paulinas tidas como autênticas, passemos agora para a análise
das características angelomórficas que Jesus possui nessas cartas.
José R. C. Cardoso, em sua tese de doutorado: Cristologia angelomórfica
de Hebreus: Estudo sócio-retórico e História das Religiões Comparadas em Hebreus
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1.1-14; 2.5-18; 7.1-10, utiliza-se de sete critérios morfológicos para discernir os
atributos angelomórficos usados para expressar a vice-regência angelomórfica –
readaptando as idéias de Paul Deutsch em The Guardians of Gates.
Vale a pena, antes de seguirmos, esclarecer o que o autor dessa tese quis
dizer com o termo “angelomórfico”, vejamos, pois, em suas próprias palavras:
Cabe dizer que adotamos o termo “angelomórfico” como mais
abrangente e mais fielmente descritível que ‚angélico‛, e que mesmo
onde aparece algum patriarca transfigurado ou atributo divino, os
termos anjo, angélico são entendidos como angelomórficos. Com isto,
não queremos dizer que Jesus é um anjo, mas que sua divindade é
descrita com elementos angélicos sem comprometer sua humanidade ou
divindade.
26
Pois, conforme demonstra em sua tese, existiam textos – como os
apócrifos/dêutero-canônicos, pseudepígrafos e os manuscritos do Mar Morto – que
apresentavam anjos, figuras hipostáticas e patriarcas exaltados, através de uma
linguagem semelhante à que Hebreus apresentou Jesus.
Em seguida apresentaremos esses sete critérios, relacionando-os com
citações das cartas que são alvo de nossa pesquisa, para que assim seja situada a
linguagem angelomórfica que as deutero-paulinas apresentam Jesus.
(1) Função Demiúrgica: Atribui-se funções na Criação ao vice-regente
angelomórfico. Este participa como agente de Deus na confecção do
universo, e em alguns momentos confunde-se com o próprio Criador e
por isso é entendido ser pré-existente. A atribuição criadora na
Escritura, outrora, exclusiva de Deus, é agora compartilhada com seu
agente, evidenciando-se como um mistério revelado no fim dos tempos27.
“E demonstrar a todos qual seja a dispensação do mistério, que desde
os séculos esteve oculto em Deus, que tudo criou por meio de Jesus Cristo” (Ef 3.9)
Porque nele foram criadas todas as coisas que há nos céus e na terra,
visíveis e invisíveis, sejam tronos, sejam dominações, sejam principados,
sejam potestades. Tudo foi criado por ele e para ele. E ele é antes de
todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele (Cl 1.16-17).
26 CARDOSO, José Roberto Corrêa. Cristologia angelomórfica de Hebreus: Estudo sócio-retórico e
História das Religiões Comparadas em Hebreus 1.1-14; 2.5-18; 7.1-10. São Bernardo do Campo,
2005. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) Faculdade de Filosofia e Ciências da Religião
da Universidade Metodista de São Paulo (UMESP), p. 45.
27 CARDOSO, Cristologia angelomórfica de Hebreus, p. 5.
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46
“(2) Guardião do Portal: Cabe ao vice-regente permitir ou não a entrada
dos seres humanos e/ou celestiais à presença imediata de Deus”28.
Por isso diz: Subindo ao alto, levou cativo o cativeiro, E deu dons aos
homens. Ora, isto-ele subiu-que é, senão que também antes tinha descido
às partes mais baixas da terra? Aquele que desceu é também o mesmo
que subiu acima de todos os céus, para cumprir todas as coisas (Ef 4. 8-
10).
3) Senhorio: O vice-regente angelomórfico exerce governo sobre seres
humanos e/ou seres angélicos. As hostes celestiais são designadas a
submeterem-se ao seu comando, bem como os seres humanos
obedecerem à sua voz como representante de Deus29.
Que manifestou em Cristo, ressuscitando-o dentre os mortos, e pondo-o
à sua direita nos céus. Acima de todo o principado, e poder, e potestade,
e domínio, e de todo o nome que se nomeia, não só neste século, mas
também no vindouro. E sujeitou todas as coisas a seus pés, e sobre todas
as coisas o constituiu como cabeça da igreja (Ef 1. 20-22).
“Portanto, se já ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são de
cima, onde Cristo está assentado à destra de Deus” (Cl 3.1).
(4) Juiz: Devido à sua justiça pessoal, o vice-regente é comissionado por
Deus para fazer os julgamentos sobre suas criaturas e pronunciar
sentenças. O papel de juiz fora exercido na pessoa do rei (Sl 72) e
posteriormente na do sumo sacerdote, no período pós-exílico (Zc 3.7)30.
Havendo riscado a cédula que era contra nós nas suas ordenanças, a qual
de alguma maneira nos era contrária, e a tirou do meio de nós, cravandoa
na cruz (Cl 2.14).
E a paz de Deus, para a qual também fostes chamados em um corpo,
julgue em vossos corações; e sede agradecidos (Cl 3.15).
(5) Sacerdote: O vice-regente angelomórfico, devido a sua proximidade
de Deus, opera no âmbito do culto divino. Por sua intercessão e
mediação os seres humanos têm acesso a Deus. A atividade sacerdotal
terrena prefigura a celestial. Daí sua aparência, vestuário, gestos e falar,
lembrarem a do sumo sacerdote31.
“E andai em amor, como também Cristo vos amou, e se entregou a si
mesmo por nós, em oferta e sacrifício a Deus, em cheiro suave” (Ef 5.2).
(6) Forma hipostática do homem primordial: O vice-regente
angelomórfico encarna o Urmensch, isto é, a humanidade primeva
idealizada no Adão pré-lapsariano, ‚a imagem de Deus‛. Sua principal
característica é a submissão à divindade, isto é, a obediência, justamente
28 CARDOSO, Cristologia angelomórfica de Hebreus, p. 5.
29 CARDOSO, Cristologia angelomórfica de Hebreus, p. 5.
30 CARDOSO, Cristologia angelomórfica de Hebreus, p. 5.
31 CARDOSO, Cristologia angelomórfica de Hebreus, p. 5.
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a que faltou em Adão conforme a narrativa bíblica, e, consequentemente,
sua pureza de coração32.
“O qual é imagem do Deus invisível, o primogênito de toda a criação... e
ele é antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem por ele” (Cl 1.15 e 17).
(7) Ontologia compósita: Este critério atende ao fato de que o viceregente
angelomórfico não ser um anjo ou um ser humano apenas. Mas
possuir tanto a natureza divina e humana, e ao mesmo tempo ser
descrito em termos angelomórficos, ou seja, de mediador glorificado.
Essa ontologia compósita pode ser adquirida ou predicada desde o início.
Caso seja este, o vice-regente é então pré-existente, caso seja aquela,
alcançou a imortalidade33.
“Porque nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Cl
2.9)
Estamos conscientes de que este é apenas um esquema, e que todos os
esquemas não dão conta de abarcar toda realidade, contudo nesse caso o
utilizamos apenas para demonstrar como os temas angelomórficos se apresentam
nessas cartas. E pareceu-nos que o aparecimento, às vezes alternado dos temas
angelomórficos nas deutero-paulinas, insere essas cartas numa literatura mística
mais ampla contemporânea ao seu período.
Nessa mesma linguagem angelomórfica Enoc se torna o Metatron:
Deus tomou-me do meio da raça do dilúvio e transportou-me nas asas
tempestuosas da Schekiná para o céu superior e me trouxe aos grandes
palácios na altura do sétimo céu Avarot, onde estão o trono da Schekiná
e a Mercabá, as legiões da fúria e os exércitos da ira, os schinamim do
fogo, os querubim das tochas flamejantes, os ofanim dos carvões
ardentes, os servos das chamas, e os serafim do raio, e Ele colocava-me
lá diariamente para servir o trono da glória (III Enoc 7).
E ainda inúmeros outros exemplos poderiam ser citados, como o anjo
Iahoel do Apocalipse de Abraão; ou o Moisés que se assenta à direita de Deus em
Ezequiel Tragicista, dentre outros. O fato é que falar de alguém que fora exaltado à
direita de Deus não é novidade nesse ambiente.
32 CARDOSO, Cristologia angelomórfica de Hebreus, p. 5.
33 CARDOSO, Cristologia angelomórfica de Hebreus, p. 5.
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Dualismo e gnosticismo judaico na cristologia das dêutero-paulinas
O último aspecto que pretendemos apresentar da cristologia das
deutero-paulinas são seus traços gnósticos, sobretudo, seu dualismo, o qual
notamos se manifestando de duas maneiras: através da possibilidade dos crentes
sentirem as bênçãos do Cristo exaltado, assim como o Cristo sente as aflições dos
fiéis que são seu corpo; e também a repetição do dualismo: “céu e terra”.
Primeiramente devemos esclarecer que o gnosticismo que falamos não é
aquele movimento histórico intitulado como heresia pelos Pais da Igreja do século
II em diante, mas sim o gnosticismo fenomenológico, como o apresentou Hans
Jonas em A religião gnóstica34, a partir dessa perspectiva todo movimento
estruturalmente parecido com o gnosticismo histórico poderia ser apresentado
como tal, por tanto passariam a ser considerados gnósticos alguns movimentos
antigos, medievais e contemporâneos, e, particularmente interessante para nós é
que o próprio judaísmo teria sua ramificação gnóstica expressa pela literatura de
Mercabá.
Foi assim que Gershom Scholem apresentou o judaísmo no segundo
capítulo de seu já referido livro ali ele afirma entre outras coisas, que a
mística do trono representa para o místico judeu o que o pleroma com
seus éons, suas potencias e seus arcontes representa para o gnóstico. A
ascensão do visionári da Mercabah aparece em Scholem como uma
variação judaica da principal preocupação dos gnósticos e dos
herméticos dos séculos II e III, isto é, a ascensão da alma a partir da
terra através da esfera dos anjos planetários, as esferas do demiurgo e
do cosmos, e o retorno à sua luz divina morada na plenitude e na luz de
Deus, retorno que para o espírito gnóstico significa a redenção35.
Notemos essa estrutura na cristologia das dêutero-paulinas.
Primeiramente a possibilidade dos crentes sentirem as bênçãos do Cristo exaltado,
assim como o Cristo sente as aflições dos fiéis que são seu corpo, a qual acima
afirmamos não serem mais as experiências místicas dos primeiros anos do
cristianismo, mas sim uma experiência religiosa fruída pela liturgia institucional
que canalizou às antigas energias apocalípticas.
34 Apesar de termos traduzido o título, essa obra não foi traduzida para o português, contamos com
a edição espanhola: La religión gnóstica: El mensage del Dios extraño y los comienzos del
cristianismo. Madrid: Ediciones Siruela, 2003.
35 GOETSCHEL, Roland. Cabala. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2009 (Coleção Enciclopédia, 780), p. 31.
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“Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou
com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo” (Ef 1.3).
“Estando nós ainda mortos em nossas ofensas, nos vivificou juntamente
com Cristo, pela graça sois salvos. E nos ressuscitou juntamente com ele e nos fez
assentar nos lugares celestiais, em Cristo Jesus” (Ef 2.5-6).
E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros
para evangelistas, e outros para pastores e doutores. Querendo o
aperfeiçoamento dos santos, para a obra do ministério, para edificação
do corpo de Cristo (Ef 4 11-12).
“No qual também vós juntamente sois edificados para morada de Deus
em Espírito” (Ef 2.22).
“Regozijo-me agora no que padeço por vós, e na minha carne cumpro o
resto das aflições de Cristo, pelo seu corpo, que é a igreja” (Cl 1.24).
“E, quando vós estáveis mortos nos pecados, e na incircuncisão da vossa
carne, vos vivificou juntamente com ele, perdoando-vos todas as ofensas” (Cl 2.
13).
“Porque já estais mortos, e a vossa vida está escondida com Cristo em
Deus. Quando Cristo, que é a nossa vida, se manifestar, então também vós vos
manifestareis com ele em glória” (Cl 3.3-4).
Quanto ao dualismo céu e Terra:
“Do qual toda a família nos céus e na terra toma o nome” (Ef 3.15).
“Dando graças ao Pai que nos fez idôneos para participar da herança dos
santos na luz” (Cl 1.12).
Bendito o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o qual nos abençoou
com todas as bênçãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo. Como
também nos elegeu nele antes da fundação do mundo, para que
fôssemos santos e irrepreensíveis diante dele em amor. E nos
predestinou para filhos de adoção por Jesus Cristo, para si mesmo,
segundo o beneplácito de sua vontade (Ef 1.3-5).
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Destaca-se o fato que devido ao crente ser parte do corpo de Cristo, ele
goza das bênçãos da glória a qual está no céu, mas é adiantada na liturgia pelo
cristianismo institucional.
Considerações finais
Nesse texto afirmamos que as cartas dêutero-paulinas apresentam uma
experiência mística autêntica, embora distinta da experiência dos primeiros
cristãos e exemplarmente distinta da experiência paulina, pois o cristianismo,
nessa época e lugar, avançava em seu processo de institucionalização.
Demonstramos isso através da metáfora do corpo e sua diferença entre
as cartas paulinas autenticas e inautênticas, retomando o argumento de
Schweitzer, porém sob outra perspectiva.
Afirmamos a existência de uma “mística canalizada”, com isso quisemos
dizer que ela se distinguia da mística cristã de outros momentos por que agora ela
está relacionada com elementos litúrgicos e pela hierarquia eclesiástica, que está
muito presente nessas cartas.
Interessante notar como Scholem afirma a impossibilidade da unio
mystica, no sentido do fiel diluir-se na divindade, mas nada afirma quanto a
possibilidade do fiel diluir-se no vice-regente celestial, como foi caso dos cristãos.
O fato da canalização dessas energias não impediu que a linguagem
apocalíptica continuasse circulando, afinal, ela era a base das afirmativas
cristológicas e já haviam sido declaradas as mesmas palavras para diferentes
personagens da Bíblia Hebraica, os quais, acreditava-se, terem sido exaltados.
Não só a linguagem, mas também a estrutura da Mercabá continuou
presente no cristianismo das deutero-paulinas, notamos isso quando as
relacionamos com o “gnosticismo judeu”.
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Estamos conscientes da polêmica e da obscuridade que se sobrepõe ao
cristianismo primitivo, contudo achamos importante em alguns momentos dar
vazão a algumas intuições.
Em A teologia do apóstolo Paulo de James Dunn, encontramos a
afirmativa de que Paulo fundamenta a experiência religiosa dos três maiores
ramos do cristianismo ocidental, que são o catolicismo romano, o protestantismo e
o pentecostalismo. Cada uma dessas seitas relaciona sua experiência com as três
respectivas idéias paulinas: “a mística eclesiástica ou sacramental”, “justificação” e
“o recebimento do Espírito Santo”36.
As deutero-paulinas seriam a corrente da “mística eclesiástica ou
sacramental”, que teriam sua continuidade imediata em Pais da Igreja como Inácio
de Antioquia e Clemente de Roma, em sua persistente ordem do “estar em Cristo”,
que na verdade significava “estar na Igreja”, Cipriano de Cártago daria
continuidade enfática a essa idéia em seu “extra ecllesiam nulla salus”, que se
tornaria um dos mais fundamentais dogmas do catolicismo romano.
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36 DUNN, James. Teologia do Apóstolo Paulo. São Paulo: Paulus, 2008, p. 475.
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SCHOLEM, Gershom. As grandes correntes místicas da judaica. 3 ed. São Paulo:
Perspectiva, 2008.
TILLICH, Paul. História do pensamento cristão. 3 ed.. São Paulo: ASTE, 2004.
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O MISTICISMO DA CRISTOLOGIA DÊUTERO-PAULINAS
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